sábado, 26 de novembro de 2011

Semana agitada no IF-USP

A semana que passou foi agitada em termos de seminários/homenagens no Instituto de Física da USP.

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Na segunda-feira, houve o I Encontro Mário Schenberg, em homenagem aos 70 anos do prof. Nei Fernandes de Oliveira Jr. Foi um dia de seminários de ex-alunos e colaboradores que comentaram sobre vários momentos na carreira do prof. Nei, uma figura muito querida e respeitada aqui no instituto.

Interessantes foram os relatos de como era fazer Física no Brasil no início dos anos 60. Comparado à estrutura que temos hoje, pesquisa em Física naquela época era para para quem "não tem medo" (como disse o próprio prof. Nei). Um tempo em que gente do calibre de Mário Schenberg, Oscar Sala, José Leite Lopes, César Lattes, etc. colocaram programas de pós-graduação em pé partindo praticamente do nada.

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Ainda na segunda-feira, um seminário interessante: a Física do velejar. O prof. Philippe Gouffon, ele próprio um velejador experiente, fez um relato interessante sobre a Física do que ocorre acima e abaixo da água fazendo com um veleiro possa ir tanto em um ângulo "contra" o vento ("orça") ou até mesmo se deslocar 3 a 4 vezes mais rápido (!) do que ele. E para quem acha que velejar é sinônimo de andar devagar, que tal um veleiro andando a mais de 90 km/h?

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Na terça, tivemos uma visita ilustre: o prof. William (Bill) Phillips, um dos ganhadores do prêmio Nobel de Física de 1997, ministrou um colóquio sobre condensados de Bose-Einstein para um auditório lotado. Até a imprensa "normal" deu destaque à visita do prof. Phillips ao Brasil (a reportagem relata um outro seminário, esse de demonstrações).

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Na quarta, o prof. Raimundo Rocha dos Santos (UFRJ) deu um seminário bastante didático sobre os supercondutores de alta temperatura crítica (tema de um post anterior desse blog). O seminário faz parte da série "Convite à Física" que tem por objetivo colocar temas atuais de Física em uma linguagem coloquial e acessível ao público em geral.

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Na quinta... bom, na quinta meu dia foi tomado pela última prova do curso de Física II na Poli. Dia agitado também, mas um agito de outra natureza.

sábado, 19 de novembro de 2011

Qual PM queremos na USP?

Passado quase um mês do início da polêmica envolvendo estudantes, Polícia Militar, administração da universidade, mídia, acho que é possível ter um panorama geral do que ganhamos e do que perdemos nesse processo.

Particularmente, acho que nós da comunidadade "USPiana" perdemos (ou estamos perdendo) uma grande oportunidade de fazer aquilo que se espera da academia: propor soluções inovadoras para problemas de interesse da sociedade. No caso, segurança pública, um tema que invariavelmente aparece como uma das principais preocupações da sociedade em pesquisas de opinião. Acredito que seja papel da Universidade pensar estratégias de segurança pública, inclusive discutir o papel da Polícia Militar (e Civil) na sociedade e, talvez, tentar influir e mudar as práticas e vícios dessas corporações.

Paradoxalmente, é um tema em que a Universidade brasileira nem sempre teve a influência que cabe à academia (como ocorre em outros países). Acredito que isso se deve, justamente, a um distanciamento entre a academia brasileira e os agentes de segurança pública, ainda reflexo das relações conturbadas que datam do tempo da ditadura militar brasileira.

Em um post anterior, escrito bem antes da confusão de Outubro, eu havia comentado que a questão não é tanto "se" a PM vai ter uma presença no campus (que, bem ou mal, é aprovada pela maioria da comunidade da USP) mas sim em "como" trazer a PM ao campus. O "como" é crucial. Acho que o convênio com a PM pode e deve ser aproveitado para que a comunidade acadêmica e, talvez, a própria sociedade se beneficiem disso. Ao fazê-lo, é razoável que o convênio exija alguma contrapartida em termos de mudanças na atuação e estrutura da Polícia Militar.

Vejo esse convênio USP-PM como uma oportunidade para a própria universidade exercer um papel "transformador" e testar, nela própria, políticas de segurança pública inovadoras. Por exemplo, por que não utilizar esse convênio como instrumento para criar, na própria PM, um grupo de policiais com "formação compatível com direitos humanos" e com policiais femininas "capacitadas para o atendimento de vítimas de assédio sexual e estupro" para que atuem dentro da USP?

Os termos em aspas acima foram tirados de um manifesto do DCE da USP. São pontos que, claramente, poderiam ter sido discutidos durante a ocupação da reitoria. Infelizmente a oportunidade de discutir os termos no convênio foi rechaçada pelo pessoal da combinação PCO+MNN+LER-QI que liderou a ocupação. Por quê? Pela mentalidade "PM fora ou nada" que serve, muito bem, à extrema esquerda (grupos que consideram o PSOL ou PSTU como "direita").

Por outro lado, a administração da USP tem tido pouco tato para ouvir a comunidade acadêmica e tentar mudar as táticas da PM. Por exemplo, a operação de reintegração de posse do prédio da reitoria foi um "sucesso tático-militar" (na linha "shock and awe", com os invasores presos e sem ninguém ferido) mas um fracasso em termos da postura que se espera da administração da Universidade. Passou a imagem (talvez verdadeira) que o poder de decisão sobre as ações a serem tomadas em uma questão com forte componente político foi deliberadamente transferido pela administração da USP ao comando da tropa de choque.

O convênio USP-PM deveria ter, como fim, que a PM na USP seja uma PM diferente, mais moderna. A idéia de um "policiamento comunitário" que tem sido colocada vai nessa direção mas acho que a USP pode ter um papel mais ativo nessa questão: participação (e voz) nas decisões de estratégia/horários/foco de patrulhas dentro do campus; demandar que o comando esteja nas mãos de oficiais da PM com alguma formação na USP (se esses não existem, taí uma boa oportunidade de criar um convênio USP-Academia do Barro Branco); introduzir tecnologias/inovação geradas na USP dentro da polícia (detectores infra-vermelho, novas técnicas de perícia, etc.) além de outras iniciativas como apoio a ações sociais por parte dos estudantes, por exemplo, na comunidade São Remo (tenho certeza que as crianças e adolescentes de lá se beneficiariam com aulas extras de História, Filosofia, Química, Física, Matemática...).

[Update: soube que essa última idéia já está em discussão.]

No entanto, vejo que, infelizmente, estamos perdendo a oportunidade de avançar nisso. A discussão está cada vez mais polarizada e politizada, na base de jargões com "Fora PM/Fora Rodas" (ou, em uma forma mais sofisticada, "abaixo a militarização do campus") versus "pau nos maconheiros e tudo pela segurança". São posições confortáveis para quem carrega o mesmo discurso e os mesmos estandartes há décadas. Alguns bons artigos (como esse) discutiram esse ponto sem cair na armadilha da mentalidade "binária" que invariavelmente permeia esses assuntos.

Pragmaticamente, essa polarização toda acaba fomentando mais do mesmo e nos leva mais longe do resultado que eu considero ideal: a PM que eu gostaria de ver na USP é uma PM mais moderna, inteligente e humanizada justamente por ter sido submetida ao contato com o ambiente acadêmico.

sábado, 8 de outubro de 2011

O Nobel de Física 2011...

... foi para Saul Perlmutter, do Lawrence Berkeley National Lab e da Universidade da Califórnia em Berkeley, (metade do prêmio) e para Brian Schmidt (Australian National University) e Adam Riess, (Johns Hopkins).

O prêmio desse ano reconheceu uma importante descoberta em cosmologia: a de que o Universo está expandindo de forma acelerada. Como não é minha área de pesquisa (longe disso), meu conhecimento do assunto vem mais de "curiosidade" mas vou tentar dar uma idéia.

Que o Universo está em expansão já é sabido desde os anos 20, através das descobertas de Edwin Hubble (que deu o nome ao famoso telescópio espacial), dentre outros. Hubble deduziu isso através de medições do espectro de galáxias distantes. Ele percebeu que a maioria delas tem um "desvio para o vermelho" (redshift) no espectro. A interpretação é que esse redshift é uma manifestação do efeito Doppler (=a frequencia da luz/som varia conforme o movimento relativo da fonte. Vide também a explicação de Sheldon Cooper), o que quer dizer que elas estão se afastando de nós. Mais do que isso, as galáxias mais distantes tem um desvio maior, o que significa que elas estão andando mais rápido.

Isso seria evidência de que o Universo, como um todo, está se expandindo. Uma famosa analogia é a seguinte: imagine que as galáxias são "manchas" na superfície de um balão, que representa o Universo. À medida que o balão infla, a distância entre as manchas aumenta. Do ponto de vista de uma determinada mancha (nós, na Via Láctea), as outras manchas se afastam.

Ok, muito bem, então o Universo está se expandindo. Mas quão rápido? Ele se expande a uma taxa constante? A expansão está freando, de modo que o Universo vai parar de expandir em algum ponto (e talvez começar a diminuir?)? Ou a expansão está acelerando e o universo se expande cada vez mais rápido?


O trabalho dos ganhadores do Nobel mostrou que a última opção é a correta. Um gráfico chave para entender o assunto é esse ao lado. Uma primeira versão desse gráfico foi publicada em 1998 nesse paper do grupo de Riess e Schmidt.

Eles mediram o redshift "z" (no eixo horizontal) de estrelas supernovas tipo "1A", distantes bilhões de anos-luz da Terra (com magnitude m) e colocaram cada supernova como um ponto (z,m) no gráfico.

Os pontos no painel de cima não seguem exatamente uma linha reta (o esperado, segundo a Lei de Hubble) mas ficam um pouco acima. Note que é difícil perceber isso considerando somente pontos com z pequeno e é aí que entram as observações de supernovas com z>0,5.

Essa discrepância para valores altos de z é evidência de que a expansão do Universo está acelerando. Se a taxa de expansão do universo estivesse diminuindo (a expansão está "freando"), esses pontos deveriam seguir a linha tracejada (abaixo da linha horizontal no segundo painel), o que não ocorre.

Pois bem, vem a questão: o que faz o Universo estar se expandindo de forma acelerada já que a matéria tende a se atrair pela força da gravidade? De onde vem essa "força de repulsão"? A resposta é: não se sabe bem ao certo. Chama-se a fonte dessa repulsão de "energia escura" ("Dark Energy". Sim, soa meio Star Wars...). O gráfico mostra que os dados para z alto são compatíveis com um modelo (linha preta sólida) em que o Universo é "plano" e composto por 30% de matéria "normal" (átomos, moléculas, eu, você) e 70% de energia escura. O que é e como detectar essa energia escura ainda são questões em aberto.

O bonito disso tudo é ver o método científico em ação: resultados experimentais confirmando ou descartando hipóteses teóricas e abrindo novas perguntas, que serão respondidas por outros experimentos.

Links interessantes:

- Texto científico da Royal Swedish Academy of Sciences (do Prêmio Nobel).

- Tutorial sobre Energia Escura por Robert Kirshner.

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Ig-Nobel 2011

Saiu a lista dos ganhadores do Ig-Nobel 2011.

O prêmio de Física envolve rotações de corpos rígidos em esportes: um grupo francês publicou um artigo que tenta explicar porque atletas de lançamento de disco são mais suscetíveis à tontura do que atletas de lançamento de martelo. Uma das causas seria uma maior força de Coriolis durante o arremesso do disco em comparação ao martelo (menor momento de inércia, talvez?).

Quem diria... Acho que vou usar isso como exemplo (?) quando discutir de dinâmica de corpos rígidos nos cursos de Física I.

Outro destaque é o Ig-Nobel da paz: foi para Arturas Zuokas, o prefeito de Vilnius, Lithuania, que mostrou que o problema de carros de luxo estacionados irregularmente pode ser resolvido com um tanque de guerra:

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Neutrinos mais rápidos do que a luz?

No site do Estadão hoje, saiu mais uma daquelas matérias "bombásticas" sobre Física:

Cientistas dizem ter encontrado partícula que se move mais rápido que a luz

É de chamar a atenção já que a Teoria da Relatividade de Einstein estipula que nada pode viajar mais rápido do que a luz. Violações desse princípio poderiam, em tese, permitir que coisas estranhas como inversão de causalidade (=efeito precede a causa) ocorram.

A matéria do Estadão, como outras do gênero, traz explicações pouco inteligíveis e frases que não fazem sentido, tais como "medidas (...) do LHC mostraram neutrinos se movendo 60 nanosegundos mais rápido que a luz". Basta saber um pouquinho de Física para perceber que "nanosegundo" não é uma unidade de velocidade...

Fiquei curioso e fui procurar de onde saiu isso. Achei uma notícia no site da Science, muito mais bem escrita. A história é a seguinte: são dados extraídos de um detetor subterrâneo de neutrinos na Itália (OPERA), projetado para detectar neutrinos gerados no CERN e que viajam essencialmente em linha reta através da Terra. Os neutrinos interagem fracamente com a matéria (apenas via a interação fraca, sem trocadilho) e literalmente atravessam a tudo e a todos, praticamente sem deflexão. Para detectá-los, são necessários enormes tanques de água, geralmente localizados no interior de uma montanha ou no subsolo.

Os tais "60 nanosegundos" são a diferença entre o "tempo de voo" dos neutrinos entre o Cern e o detector se eles estivessem à velocidade da luz (o esperado) e o tempo de voo medido, obtido sabendo-se, com precisão suficiente, os instantes de emissão no Cern na Suíça e de deteção na Itália.

Experimentos assim são muito delicados e a Science entrevistou um especialista que duvida que o erro de medida do tempo de voo (baseado em sinais de GPS) seja menor do que dezenas de nanosegundos. Ele diz que "apostaria" que o resultado é fruto de um erro sistemático. E diz mais:

"I wouldn't bet my wife and kids because they'd get mad," he says. "But I'd bet my house."

("Eu não apostaria minha esposa e filhos porque eles ficariam bravos," diz. "Mas apostaria a minha casa").

E a reportagem da Science termina com uma velha máxima, bastante verdadeira:

Extraordinary claims require extraordinary evidence.

Em outras palavras, pé atrás com notícias "bombásticas".

Update: Saiu também na Folha. Ainda bombástico, mas pelo menos eles mencionam a distância ao falar dos "60 nanosegundos".

Update 2: Pedro Cunha de Holanda, especialista no assunto e amigo dos tempos de Unicamp, indicou um artigo da colaboração MINOS que, já em 2007, relatava dados de velocidades acima da luz para neutrinos. Pode ter coelho nesse mato.

Update 3: Artigo do site da Nature sobre o assunto (via Pedro). Bastante completo. Menciona o experimento da MINOS.

Update 4: Interessante post de Doug Natelson no Nanoscale Views sobre o assunto. O argumento é que a divulgação dos resultados em busca de validação por outros grupos é "boa ciência", mesmo com a possibilidade de um erro vir a ser encontrado posteriormente.

Concordo em parte: há várias coisas que motivam a publicação de um resultado com tamanhas potenciais implicações e o desejo de fazer "boa ciência" é apenas uma delas.

Update 5: Jon Butterworth faz uma análise interessante e cuidadosa do artigo e das possíveis fontes de erro sistemático na medida do tempo de voo. O comentário sobre os dados em um dos gráficos centrais do paper é bastante instrutiva. Via Not Even Wrong.

Update 6: Um post bem didático e bastante detalhado no blog A Física se Move (em português).

Update 7: De fato, foi encontrado um erro no experimento e a OPERA corrigiu o paper. A Relatividade está salva. Vide o post sobre o assunto no blog do Matt Strassler.

sábado, 10 de setembro de 2011

Dunga estava certo?

Atendendo a pedidos (? sim, esse blog atende a pedidos), mais um post futebolístico.

Depois do jogo da semana passada em que Neymar esteve apagado e Ganso saiu contundido logo no início (os "destaques" foram Leandro Damião e... Ronaldinho Gaúcho! Quem diria...), uma pergunta reacendeu na minha cabeça:

Será que Dunga estava certo em não chamar Neymar e Ganso para a Copa de 2010?

Já na Copa América essa discussão veio à tona. Pênaltis mal batidos à parte, acho que o que levou o Brasil a jogar mal na Copa América (incluíndo o fatídico empate com o Paraguai) é que Neymar e, principalmente, Ganso não "fizeram a diferença" nos jogos.

Mais do que isso: (ainda) não corresponderam à toda expectativa que se criou em torno deles na seleção principal. Tirando o primeiro jogo contra os EUA (show dos dois), as atuações de ambos na seleção tem sido pífias (alguns, mais educados, diriam "discretas").

Em outras palavras: nenhum dos dois tem apresentado "aquele" bom futebol do Santos que levou o Brasil inteiro a pedir que ambos fossem para a Copa.

Uma rápida googada para relembrar: Ganso e Neymar "apareceram" (por assim dizer) de verdade em março de 2010, quando o Santos foi campeão paulista. Três meses depois, havia um "clamor" nacional para que ambos fossem chamados para a seleção. Eu, na época, achava que o Ganso deveria ser, no mínimo, relacionado já que seria um substituto natural para o Kaká (que, diziam boatos depois confirmados, já estava com problema no joelho mas jogou a Copa mesmo assim, deixando a cirurgia para depois).

Dunga estava irredutível em relação a levar os dois. Disse que "se fosse para dar experiência, levava o meu filho" para a Copa. Também disse que "os caras são bons, são fantásticos, vão ter um futuro na seleção brilhante, mas não vamos enganar ninguém, tem muita coisa encomendada, tem muita coisa em jogo". E otras cositas más....

Bom, deu no que deu. Dunga cometeu vários erros na Copa mas hoje vejo que não levar Neymar e Ganso não foi um deles. Acho que esses garotos não teriam feito "a" diferença naquele time do mesmo jeito que não estão fazendo agora. Acho ainda que leva-los para a Copa poderia ter o efeito contrário.

Imagine a situação: Brasil x Holanda, 10 min do 2o. tempo. Logo após o empate da Holanda, Dunga tira Robinho e coloca Neymar. Neymar se joga algumas vezes cavando faltas, arranja confusão com o delicado do De Jong (aquele da entrada no Xabi Alonso na final) ou dá um chapéu com a bola parada (como já fez antes). Poderia até criar confusão com o próprio treinador (como no jogo Santos x Atlético-GO....). Enfim, Holanda faz 2 x 1 e elimina o Brasil (Felipe Melo, nesse universo alternativo, seria lembrado apenas pelo lindo passe pro primeiro gol).

Poderia não ter ocorrido exatamente assim mas é plausível imaginar que a inexperiência de Neymar viesse a prejudicar o Brasil em um jogo decisivo na Copa. Ou seja: a "culpa" pela eliminação poderia ter caído nas costas de um moleque de 18 anos que tinha um futuro brilhante pela frente.


Update: Vitor Birner, ex-co-apresentador do programa do Juca Kfouri na CBN, tem um post na mesma linha...

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

A Física das manchas de café

Artigo intrigante na Nature sobre o "efeito do anel de café" (via Boletim semanal da APS).

Aparentemente, o mecanismo que faz com que uma gota de café deixe uma marca em forma de "anel" quando seca não é tão trivial. O que ocorre é mais ou menos o seguinte: pense na gota de café sobre uma mesa como uma "redoma", apoiada pelas bordas na superfície da mesa. A borda da gota fica então "presa" na superfície e, à medida que o café vai evaporando, o teto da redoma vai abaixando, o que causa o ângulo entre o redoma e a superfície da mesa diminuir. Nisso, fica mais fácil para partículas suspensas do "topo" da gota migrarem para a borda por efeito capilar, gerando um acúmulo de partículas em forma circular.

As partículas em suspensão em um líquido como café são, em geral, aproximadamente esféricas. O artigo da Nature mostra que é possível suprimir esse efeito usando partículas com geometria não esférica (esferoidal, por exemplo). Líquidos com partículas em suspensão "ovais" tendem a evaporar sem deixar o anel, depositando o material de forma mais uniforme na superfície.

Interessante... Para se pensar na próxima vez que aquela gota de café rolar pelo bule em direção à toalha.

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

O Vietnã dos Físicos Teóricos

Em um post recente, mencionei que meu meu antigo supervisor constumava dizer que o tópico de semicondutores de alta temperatura crítica (ou "high-Tc" para os íntimos) foi o "Vietnã dos Físicos Teóricos". Essa analogia é muito boa: como a guerra na Indochina dos anos 60, esse tópico atraiu, nos anos 80 e 90, uma enorme leva de Físicos jovens e idealistas em busca de um mundo melhor para uma área de pesquisa que se revelou pantanosa, cheia de intrigas e de "fogo amigo". Muitos acabaram "perecendo" pelo caminho (não literalmente, claro: a maioria mudou de área e alguns até mesmo abandonaram a Física). Para um relato de alguém que viveu isso na pele, recomendo o post de Massimo Boninsegni sobre o assunto.

Os motivos disso são vários. A Física por trás dos high-Tcs é complicada e os materiais em si (cerâmicas à base de cobre ou "cupratos") são relativamente dificeis de serem produzidos e estudados (amostras de alta qualidade ainda são "valiosíssimas" cientificamente falando: quem tem, não empresta). Ainda por cima, brigas de "cachorro grande" tornaram a área um conflito de egos que contaminou a discussão científica.

Um exemplo ilustrativo desse clima (apontado por Massimo) é uma discussão na seção de cartas da revista de divulgação Physics Today. Os protagonistas são cientistas de renome: de um lado, Phil Anderson, um dos maiores físicos teóricos do séc. XX (e XXI) e prêmio Nobel em 1977. De outro, Doug Scalapino e colaboradores, então na Universidade de Illinois em Urbana-Champaign, um dos melhores centros de Física da matéria condensada dos Estados Unidos. Em discussão: qual a teoria que melhor descreveria o fenômeno (Anderson acabou admitindo que estava errado mas o estrago já estava feito).

Esse tipo de disputa acabou tornando o ambiente acadêmico da área bastante hostil, parecendo um Vietnã do tempo da ofensiva Tet. Era um clima de você estava "conosco ou contra nós": se um jovem pós-doc escrevesse um artigo sobre o assunto e não tomasse partido, poderia ter seu trabalho torpedeado pelos peixes grandes e ver-se com perspectivas de emprego ameaçadas.

O pano de fundo para tudo isso é que, depois de 25 anos e uma geração inteira de Físicos trabalhando sobre o assunto, uma explicação teórica definitiva para o fenômeno ainda não foi encontrada. Existem várias peças do quebra-cabeças bem entendidas: os "materiais-base" não são metais (como no caso de supercondutores BCS) mas sim isolantes de Mott, onde efeitos de interação elétron-elétron e spin eletrônico são importantes. Além disso, há fortes evidências que a supercondutividade se dá em duas dimensões (em "planos" no interior do material) e a produção de amostras com alto grau de pureza permitiu caracterizar em detalhe o diagrama de fase desses materiais através de diversas técnicas.

Uma outra peça recente que pode ser adicionada ao quebra-cabeças é a recente descoberta de supercondutores à base de ferro (os "pnictídeos"), onde efeitos de spin e magnetismo são ainda mais relevantes. A expectatíva é que essa nova classe de materiais possa dar pistas sobre o mecanismo responsável pela supercondutividade nas cerâmicas à base de cobre, o que torna essa uma efervecente área de pesquisa em Física de materiais.

Ou seja, ainda há muita gente entrando nesse campo. E há trabalho para outros 25 anos de pesquisa.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Relatividade para Engenheiros

As aulas começaram essa semana e estou de volta à Poli, desta vez com o curso de Física II para os alunos do primeiro ano.

Já ministrei esse curso em 2010 e a experiência foi bem interessante. O fato de o primeiro tópico do curso ser a Teoria da Relatividade Especial de Einstein intriga bastante os alunos, especialmente uma turma de jovens futuros engenheiros.

Mesmo não sendo um tópico "intuitivo" ou diretamente ligado ao nosso dia-a-dia (para um contra-exemplo importante, vide o "Update" no final do post), os alunos em geral demonstram interesse pelo assunto (salvo as exceções de praxe...). Conceitos como "dilatação do tempo" ou "contração do espaço" soam um tanto esotéricos à primeira vista (para uma explicação mais detalhada, vide excelente post de Roberto Belisário). Mas quando eles botam as mãos na massa, aprendem Transformações de Lorentz e extraem números desses conceitos, dá pra perceber que alguma coisa "clica".

Sendo alunos da Poli, eles tendem a gostar de possíveis aplicações de Relatividade como essa:

"Um estudante vai realizar uma prova que deve durar 1 hora. Seu professor está em viagem e passará pela Terra com velocidade constante v = 0,6 c. O aluno propõe que a prova inicie quando o professor passar pela Terra e quando o professor, em seu próprio relógio, verificar que se passou 1 hora do início da prova ele envie um sinal luminoso à Terra. O aluno terminaria a prova quando recebesse o sinal luminoso.

Quanto tempo o aluno teria para realizar a prova de acordo com seu relógio?"

Resp: 2 horas.

Eles são espertos. Em todos os sentidos.

Update: Se você já usou alguma vez um GPS, significa que a Teoria da Relatividade teve aplicação na sua vida cotidiana. Como? Veja o vídeo a seguir, produzido pelo Perimeter Institute.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Supercondutores de alta temperatura crítica: 25 anos

A revista Nature está publicando um news feature sobre os 25 anos de um dos grandes enigmas da Física da Matéria Condensada atual: os supercondutores de alta temperatura crítica (os chamados high-Tc).

A decoberta de uma classe desses materiais, relatada em um artigo de Julho de 1986 (e que rendeu Prêmio Nobel já no ano seguinte a Johannes Bednorz e Karl Müller), causou uma enorme efervecência na época, hoje apelidada de "o Woodstock da Física". O tópico se popularizou de tal forma que acabou sendo capa de revistas como Time, Veja e inclusive a primeira Superinteressante (Outubro de 1987, na imagem ao lado. Eu ainda tenho essa guardada em casa).

Havia bons motivos para tanta "histeria". Afinal, supercondutores são materiais que conduzem corrente elétrica sem perdas ou aquecimento por efeito Joule uma vez que tem resistividade nula abaixo de uma certa temperatura, denominada temperatura crítica (ou Tc).

Supercondutores "convencionais" são conhecidos desde o início do século passado (a descoberta é creditada a Heike Kamerlingh Onnes, em 1911) mas possuem temperaturas críticas baixas, da ordem de 5 a 20 graus Kelvin (K) (-270 a -250 C). Ou seja, operam apenas em refrigeradores de Hélio líquido (a temperatura de ebulição do Hélio fica em torno de 4.2K ou -269 C), o que torna os custos de se ter um "fio supercondutor" bastante elevados. Assim, havia (e há) o interesse em descobrir materiais com Tcs mais altas. O "Santo Graal" seria um material que fosse supercondutor à temperatura ambiente, com aplicações tecnológicas imediatas.

Em 1986, Bednorz e Müller descobriram cerâmicas supercondutoras com Tcs da ordem de 80K (ou -190 C). Ainda são temperaturas baixas comparadas à temperatura ambiente mas altas o suficiente para que esses materiais sejam supercondutores à temperatura do Nitrogênio líquido (77K), muito mais barato do que Hélio. Imaginou-se na época desse 'Woodstock' que a descoberta de supercondutores com Tcs da ordem de 300K (temperatura ambiente) seria apenas uma questão de tempo, o que nos levaria para uma "era de Aquário" onde as linhas de transmissão operariam sem perdas, trens ultrarápidos levitariam sobre os trilhos e poderíamos armazenar altas quantidades de energia por meses e até anos em "reservatórios" supercondutores (como reservatórios de água). Quem dera...

Passados 25 anos de pesquisas no assunto, ainda não temos esse "Santo Graal" nas mãos. Vários compostos supercondutores com temperaturas críticas acima de 77 K foram descobertos (vide gráfico abaixo) mas o que temos são mais perguntas do que respostas. O cenário hoje é que ainda não há um consenso sobre como (e porquê) esses materiais se tornam supercondutores. Mais precisamente, não há uma teoria única que descreva o comportamento microscópico desses materiais, algo que ocorreu com os materiais de baixa Tc com a formulação da teoria BCS por John Bardeen, Leon Cooper and Robert Schrieffer em 1957 (pela qual ganharam o Prêmio Nobel em 1972).

No caso de supercondutores de alta Tc, ao contrário, existem várias teorias, cada qual defendida a unhas e dentes por seus simpatizantes. Mesmo a descrição teórica dos mecanismos básicos que levam ao aparecimento da supercondutividade ainda são motivos de controvérsia. Ouvi meu antigo supervisor dizer uma vez que "os high-Tcs são o Vietnã dos Físicos teóricos". Existem várias razões para isso, mas elas merecem um post à parte.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Segurança na USP

A trágica morte de um estudante da FEA em 18 de maio passado teve grande repercursão dentro do campus da USP em São Paulo. Me parece que isso foi um daqueles momentos em que a comunidade universitária "acordou" para uma realidade de insegurança que tantos paulistanos vivem diariamente. Com isso, a idéia de ter algum tipo de presença permanente da Polícia Militar no campus, antes um tabu, já está virando um consenso. Na verdade, os dados mostram uma queda acentuada no número de ocorrências desde que o policiamento no campus foi reforçado.

A grande questão não é se teremos a PM no campus mas sim como fazer isso de forma que essa presença seja eficiente em termos de segurança e, ao mesmo tempo, leve em consideração as peculiaridades de policiamento em um ambiente universitário.

Isso por que, do ponto de vista de um gestor de segurança, um campus universitário é um ambiente complexo: não é uma área nem residencial e nem comercial ; não há uma uniformidade de idade, classe social ou renda entre os três grupos que formam a USP (alunos, professores e funcionários); há tanto um fluxo de pessoas "de passagem" pelo campus como uma comunidade que mora (os alunos que estão no CRUSP), estuda e trabalha ali . Nesse ambiente, ações preventivas são, em geral, mais eficientes do que ações repressivas.

O desafio desse tipo de policiamento ocorre também em outros países: nos Estados Unidos, por exemplo, as universidades contam com uma "campus police" com poder de polícia mesmo (não são apenas seguranças), sendo que os policiais são orientados e preparados a lidar com os desafios dentro de um ambiente de estudantes. Lá, por exemplo, uso de bebidas e drogas é um caso emblemático: ações preventivas ("educativas") e repressivas são usadas em conjunto dentro de um plano mais amplo de segurança no campus, dentro das características do ambiente universitário. Aqui o foco deve ser outro, com maior atenção a crimes como roubos e sequestros-relâmpago (aliás, não faltam críticas aos "maconheiros" da USP, como se o consumo de maconha ali fosse maior do que em outros lugares com grande concentração de jovens e isso fosse uma explicação para a falta de segurança no campus...).

Por fim, me parece bem interessante a proposta de se criar um "Pelotão Universitário" da PM, formado por policiais e oficiais que sejam alunos ou ex-alunos dos cursos de graduação e pós-graduação da USP. Se bem implementada, todos tem a ganhar com algo assim: a USP teria um corpo de policiais que conhece o campus e o ambiente acadêmico e PM teria um canal para melhorar a formação dos seus soldados e oficiais, de modo que toda a sociedade ganhe.

terça-feira, 26 de abril de 2011

ReceitaNet

(Finalmente terminei!)
"Deseja transmitir sua declaração?"
(Sim)

"Declaração enviada com sucesso! Deseja imprimir o recibo?"
(Sim, por favor!)

"Seu recibo:"










(?!?! Tudo zero??? Cadê os valores? E a minha restituição?? )

"Parabéns, caro contribuinte: você não clicou em 'Gravar declaração para para entrega à RBF'."

"O ReceitaNet não faz isso automaticamente, espertalhão, mesmo que os dados da declaração estejam gravados localmente."

"Agora é o seguinte, meu velho: "
"1) Ou você faz uma declaração retificadora AGORA ou..."
"2) Você entra na malha fina."

"A Receita Federal agradece."

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Paradoxo Português

Véspera de feriado e, para fazer juz ao título desse blog, aqui vai um post sobre futebol.

Enganam-se os que acham que eu vou falar das semifinais do Campeonato Paulista ou dos confrontos Barça x Real Madrid (aliás, o José Mourinho mostrou hoje que sua fração competência/arrogância fica em torno de 1...). Não, caro leitor(a), isso você encontra em qualquer dos sites da imprensa futebolística brasileira.

Escolhi um tópico de que muito pouco se falou no Brasil mas que me intrigou: um aparente paradoxo na terra de Camões. No futebol português, dois grandes acontecimentos ocorreram dentro de um intervalo de poucos dias:

1) O Porto F. C. sagrou-se campeão português com cinco (sim, cinco) rodadas de antecedência. Ou seja, grande hegemonia do Porto, liderado por sua dupla de ataque sul-americana: o brasileiro Hulk e o colombiano Falcão (o nome é uma homenagem ao nosso Falcão). E isso ocorreu com uma vitória na casa do arquirival Benfica, com direito a uma retaliação que poderia ter sido importada daqui: alguém apagou as luzes do estádio do Benfica, o Estádio da Luz (não, não é piada), para atrapalhar as comemorações.

2) Enquanto isso, em um universo paralelo, três times portugueses (o próprio Porto, o rival Benfica e o Braga) se classificaram para as semi-finais da Liga Europa, o "segundo campeonato" de clubes europeus (atrás, é claro, da Liga dos Campeões da UEFA). O Porto teve uma atuação brilhante nas quartas-de-final, goleando o Spartak Moscou duas vezes, por 5x1 em casa e por 5x2 fora (!).

Isso é um feito raro: seria o equivalente de termos três times brasileiros nas semi-finais da Copa Sul-Americana. Algo parecido ocorreu na Liga dos Campeões em 2008-2009 quando três times ingleses (Manchester United, Arsenal e Chelsea) chegaram às semi-finais, junto com o Barcelona. De nada adiantou, por que Messi, claro, brilhou (com direito a gol de cabeça do baixinho na final!) e o Barcelona levou o título. Mas isso mostrou como o Campeonato Inglês estava em um nível acima dos outros campeonatos no geral.

Bom, esse é o paradoxo português: do ítem 2) acima você pode pensar que esses três times portugueses estão jogando acima da média, o que tornaria o campeonato local bastante disputado e competitivo. Mas o ítem 1) joga essa ilusão por terra: na verdade, é essencialmente o campeonato de um time só, com uma hegemonia gritante do Porto.

Uma olhada na chave eliminatória da Liga Europa desse ano dá uma pista pro mistério: o Porto, que nem entrou na Champions League esse ano, está claramente "jogando numa divisão abaixo" do seu potencial na Liga Europa. Encontrou alguma dificuldade contra o Sevilla mas eliminou CSKA e Spartak com relativa facilidade. Note-se que Sevilha e Spartak Moscou chegaram a jogar a Champions League, foram eliminados e "transferidos" para a Liga Europa.

Tudo indica que o Porto, passando pelo Villareal, fará uma final portuguesa com Braga ou Benfica. Esses vão ter que marchar contra os canhões de Hulk e cia. para acabar com a hegemonia do Porto. Veremos!

Update (28/04): Com 4 gols de Falcão, o Porto venceu o primeiro jogo contra o Villareal por 5 x 1 em casa (incrível média de cinco gols por jogo nos últimos 3 jogos da Liga Europa) e praticamente assegurou a classificação para a final. Já o Benfica venceu o Braga em casa por 2 x 1, resultado não muito bom (o Braga se classifica se vencer o jogo da volta por um simples 1 x 0).

Update (04/05): De fato, teremos uma final Portuguesa na Liga Europa 2010-11. Mesmo com a derrota para o Villareal por 3 x 2 no jogo da volta, o Porto se classificou para a final sem surpresas. O Braga conseguiu uma classificação histórica ao ganhar por 1 x 0 do Benfica (como eu tinha alertado em 28/04...). Enfim, ainda acho que dá Porto...

Update (18/05): E deu Porto! Com gol de Falcão, o Porto venceu o Braga na final da Liga Europa em Dublin. Interessante foi o número de brasileiros que entraram em campo: onze, sendo oito pelo Braga (o goleiro Artur, o zagueiro Paulão, o volante Vandinho, os meias Alan, Paulo César e Kaká e os atacantes Lima e Márcio Mossoró) e três pelo Porto (o goleiro Hélton, o volante Fernando e o atacante Hulk).

Update (22/05): Deu tempo ainda de o Porto conquistar a Taça de Portugal, o quarto título na temporada. Parece que o técnico André Villas-Boas (é impressão minha ou ele é irmão do Rodrigo Santoro?) está a ponto de se tornar o novo Mourinho...

sexta-feira, 15 de abril de 2011

BWSP-15

Para fechar o "ciclo" de conferências desse semestre (duas), participei nessa semana do 15o. Brazilian Workshop in Semiconductor Physics (BWSP) em Juiz de Fora, MG.

O BWSP é o principal encontro científico na área de Física de semicondutores do Brasil, tendo a tradição de reunir gente de "peso" na área. Esse ano, o BWSP trouxe nomes famosos em Física da Matéria Condensada, como Alan MacDonald (University of Texas-Austin) e Daniel Loss (University of Basel, Suíça), o que é sempre bom, especialmente para os estudantes.

Alguns highlights do programa:

- Caio Lewenkopf (UFF) apresentou um seminário sobre efeitos de desordem em grafeno (o material que "levou" o Prêmio Nobel esse ano, como comentei aqui). Esses efeitos são importantes para explicar certas características do transporte eletrônico (a mobilidade eletrônica, por exemplo) e afetariam a eficiência de dispositivos eletrônicos à base de grafeno. Vide o review escrito pelo Caio em colaboração com Eduardo Mucciolo.

- Ainda nessa linha, Alan MacDonald deu um seminário sobre efeitos de interação elétron-elétron em grafeno. Foi um seminário bastante técnico (várias equações de auto-energias e coisas do tipo...). Minha impressão geral é a de que os efeitos de interação de troca são relativamente fracos e difícieis de detectar em monocamadas de grafeno, mas talvez mais evidentes em bi-camadas.

- Daniel Loss deu um seminário sobre interação spin-órbita e modos helicoidais em nanotubos de carbono e como esses modos levam a "férmions de Majorana" aprisionados quando o nanotubo é colocado em proximidade com um supercondutor. É um trabalho inteiramente teórico (ainda não há experimentos, aparentemente) e bastante interessante, embora um tanto árido para a platéia em geral (não é fácil explicar como férmions de Majorana aparecem nesses sistemas em um seminário curto, mesmo que a platéia seja formada por Físicos com doutorado...).

- Já na parte de aplicações de semicondutores, Cengiz Besicki (Middle East Technical University, Ankara, Turquia) falou sobre detetores de radiação infravermelha usando poços quânticos e pontos quânticos, um dos tópicos de interesse de alguns colegas do meu grupo de pesquisa na USP. Tais detetores são de extrema importância, inclusive com usos militares e em segurança pública (equipamentos para visão noturna, etc. ). Há um esforço brasileiro (via Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia) nessa área, de modo que a audiência estava bem interessada. O seminário em si foi muito bom, recheado de imagens térmicas de câmeras de "visão noturna".

- Houve uma seção de duas horas com experimentos muito bonitos em condensados de exciton-polaritons. Esses sistemas são análogos aos condensados de Bose-Einstein (BECs), embora tecnicamente não sejam BECs (entre outras coisas, não são sistemas em equilíbrio: um laser está sempre "bombeando" energia para manter o estado ligado exciton-fóton).

Esses condensados são estados quânticos macroscópicos, com várias propriedades interessantes (quantização de vórtices, etc.) que são estudadas em detalhe nos experimentos. Trabalho de primeira linha.

Sobre o lugar: Juiz de Fora é uma cidade bem agradável, embora só tenhamos visto um pouco mais da cidade nos últimos dias (o hotel ficava no centro). Dá pra ver que, sim, estamos em Minas, mas tem um ar bastante carioca/fluminense (até os taxis são amarelos... ;) ). Pena que as melhores dicas de lugares para se ir me foram dadas pelo o taxista já a caminho da Rodoviária para a volta a SP... Fica pra próxima.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

The Joy of Stats

Meu amigo Roberto Belisário escreveu um post bastante interessante no blog "Ciências e Adjacências" sobre um vídeo feito pelo médico/estatístico sueco Hans Rosling.

O vídeo é um extrato de "Joy of Stats", um trabalho de divulgação sobre estatística muito bem feito e bastante interessante. Para o público leigo, bastante diversão. Para quem sabe um pouco mais sobre dados e estatísticas, cabe um olhar mais crítico...

No video, o Prof. Rosling coloca em um gráfico animado dados sobre a expectativa de vida (eixo vertical) e o PIB per capita (eixo horizontal) para vários países. Reunindo dados desde 1810 até 2009, ele faz uma interessante animação mostrando como esses dados variam com o tempo.

Até aí, tudo ótimo e muito didático. O problema é: o que concluir desses dados? O Prof. Rosling tende a ver os dados como positivos: os países estão "indo para o canto superior direito", ou seja maior renda e maior expectativa de vida indicando um futuro promissor.

Ocorre que, sem entrar no mérito da qualidade/confiabilidade dos dados em si (por exemplo, o site Gapminder que guarda os dados diz expresamente que "Data before 1900 is highly uncertain"), você pode usar os mesmos dados para argumentar que, na verdade, as coisas não estão caminhando tão bem assim: a diferença de renda entre os países mais ricos e mais pobres está aumentando com o tempo. Pior: está provavelmente aumentando exponencialmente com o tempo!

Como notou Belisário, o eixo horizontal no vídeo está em escala logarítmica. No site do Gapminder é possível brincar bastante e até fazer o mesmo filme com uma escala linear no eixo x.

Aí o argumento que as coisas não estão indo tão bem passa a ser visual. Vemos que a diferença de PIB per capita entre países ricos e pobres em 2009 é cerca de 20 vezes maior do que em 1810, numa evolução claramente exponencial com o tempo.

Além disso, os países não tendem ao canto superior direito em 2009 mas sim ficam em um arco (veja na figura ao lado), com um grande número de países no canto superior esquerdo (com vida longa mas pobres).

Outro ponto que pode ser pensado: maior renda média (ou PIB médio) é necessariamente um sinal de desenvolvimento humano? Não se essa renda extra está concentrada nas mãos de muito poucos ou se esse aumento no PIB vem com custos sociais altos. Países como Nigéria, Libéria e Serra Leoa são casos onde a descoberta de recursos naturais (petróleo, diamantes, minérios...) levou a um aumento do PIB por um lado mas a efeitos colaterais gravíssimos na sociedade (instabilidade política, guerra civil e até genocídio!) por outro. É a chamada "maldição dos recursos".

Enfim, esses papos sobre estatística me lembram a história do velhinho que, quando fez 90 anos, entrou numa loja de sapatos e pediu "um sapato do mais caro, pra durar mais uns 20 anos". O vendedor, educadamente, pergunta ao velhinho porque ele fazia questão de um sapato que fosse durar tanto. No que o velhinho respondeu: "É que, segundo as estatísticas, apenas uma pequena minoria das pessoas morrem depois dos 90 anos".

Update: a discussão continua: no Ciências e Adjacências (posts II e III da série) e também no Gene Repórter.

sábado, 2 de abril de 2011

XX SLAFES

Na semana passada participei da XX SLAFES (Simpósio Latino-Americano de Física do Estado Sólido) em Maragogi, Alagoas.

O programa foi muito bom, com excelentes palestras convidadas. Alguns destaques:

- Laurens Molenkamp deu um bom seminário sobre o tópico "quente" do momento em Física da Matéria Condensada: os isolantes topológicos (vide, por exemplo, matéria da Physics Today).

- Jorge Hirsch, o mesmo do índice h, deu um provocante seminário propondo uma alternativa (Hole Superconductivity) à bem estabelecida teoria BCS de supercondutividade para explicar o efeito Meissner.

Polêmico, sem dúvida. Ele, inclusive, já até postou um artigo no arXiv comparando BCS ao esquema de pirâmide de Bernie Madoff.

- Constantino Tsallis do CBPF deu um interessante seminário sobre entropia não-extensiva. Ele menciona, inclusive, alguns resultados experimentais em diferentes sistemas nos quais os dados são melhor ajustados utilizando distribuições derivadas segundo essa teoria.

Interessante sem dúvida, embora me pareça que ainda existam pontos em aberto (por exemplo, a generalização não-extensiva da Equação de Schrodinger...).

- Vários seminários envolvendo efeito Kondo em nanoestruturas (minha área de pesquisa) como os de Carlos Balseiro (Bariloche), Luiz Nunes de Oliveira (USP São Carlos), Enrique Anda (PUC-RJ) e Edson Vernek (UFU).

Inclusive, tive uma interessante discussão com Enrique e Carlos sobre a interpretação de um resultado em um paper recente do qual sou co-autor, o que me deu algumas idéias novas.

- Eu ministrei um seminário sobre a dinâmica de excitações de carga em isolantes de Mott utilizando DMRG dependente do tempo (vide, por exemplo, artigos aqui e aqui).

No mais, o local da conferência não poderia ter sido mais agradável (embora o preço tenha sido um pouco acima da média para eventos desse tipo...).

sábado, 19 de fevereiro de 2011

A saga dos recém-concursados

Alguns colegas recém-concursados na USP têm me perguntado quanto tempo leva o processo de admissão uma vez que você é aprovado no concurso. Aqui vai um "guia" que pode ajudar, escrito ao longo do processo (como um "diário" da saga) . O processo nas outras universidades estaduais paulistas é, acredito, similar. Nas Federais não tenho informação... se alguém souber e quiser adicionar um comentário, seja bem-vindo.

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Caro colega professor recém-concursado na Universidade de São Paulo,

Parabéns, o concurso passou e você foi o primeiro colocado! Comemorações, alívio e, inevitavelmente, as perguntas:

"E agora? O que acontece? Onde eu assino? Quando eu começo?".

Ocorre que entre "aprovado em concurso" e "professor nomeado" existe um labirinto burocrático que pode se arrastar por meses. Esse post é uma tentativa de mapear esse caminho.

Aliás, desde já aviso que essas informações podem não estar 100% corretas ou atualizadas (na verdade, acabei de saber que o processo mudou um pouco de um tempo para cá) de modo que use o mapa a seu próprio risco!!

O decorrer do processo depende muito da Unidade (o que vou relatar se remete ao processo no Instituto de Física de São Paulo) mas, em linhas gerais, ocorre o seguinte:

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1 - A ata do concurso é produzida e o resultado é enviado para a Congregação para homologação. Em paralelo, o plano de trabalho é enviado ao departamento que abriu o concurso para aprovação no departamento e, depois, pela Congregação. Tudo é publicado no Diário Oficial.

Escala de tempo para completar o processo: dois ou três meses, talvez mais se tiverem férias no meio e/ou houverem recursos de outros candidatos. Tipicamente as congregações se reunem uma vez a cada mês e os conselhos departamentais idem. Muitas vezes não há reuniões em meses de férias (janeiro e fevereiro, por exemplo).

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2 - O Departamento convoca o candidato via Diário Oficial e recolhe a documentação. Além dos documentos óbvios (CIC, RG, título de eleitor, certificado de reservista) tem umas coisas não tão óbvias como fotos 3x4 , no. PIS/Pasep (ou negativa emitida em uma agência da CEF) e certidão de casamento (sim, para efeitos de previdência, eu imagino). Cheque com a assistência acadêmica da sua unidade.

Escala de tempo para completar: poucos dias. Essa é uma etapa que você pode já agilizar logo que passar no concurso. Se você sempre foi bolsista e nunca teve carteira assinada ou PIS/Pasep (aos leitores que estão fora do meio acadêmico: sim, isso é perfeitamente possível) você precisa ir até a Caixa e tirar uma "negativa", ou seja, um "não consta número de PIS" para anexar ao processo.

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3 - O Departamento encaminha o processo para a Reitoria para a nomeação.

Escala de tempo para completar: Pode chegar a dois meses ou mais. O processo passa por vários órgãos na reitoria, inclusive pela Consultoria Jurídica (CJ), onde eles analisam os aspectos jurídicos do concurso.

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4 - Em paralelo, a Unidade te encaminha para exames de laboratório e para agendamento de perícia médica (de acordo com o estatuto do servidor público) no Departamento de Perícias Médicas do Estado de São Paulo (DPME).

Escala de tempo para completar: Os exames médicos requerem atenção. O processo todo pode facilmente levar de 2 a 3 semanas ou mais, pelo seguinte:

Os exames laboratoriais (tipicamente hemograma completo, exame de urina, raio-X do tórax e eletrocardiograma) são, em geral, realizados no Hospital Universitário . Não há necessidade de agendamento mas você tem que estar em jejum de 8 a 10 horas e chegar cedo, pois a coleta de sangue e urina termina às 11h30 (10h30 se você quiser usar o SAND).

Os exames de raio-X e eletro são relativamente rápidos e o resultado sai na hora (se não for pedido laudo). O exame de sangue e urina é mais complicado: você pega uma senha e pode ter que aguarda de uma a duas horas (leve um livro ou um paper) o resultado sai em 3 ou 4 dias e você pode verificar na Internet (parabéns ao HU por isso!).

DPME

Além disso, você tem que fazer um cadastro e agendar a perícia no DPME. Isso é feito pessoalmente. Você pode fazer antes que os exames fiquem prontos mas você terá que ter os exames em mãos no dia da perícia. (NOTA: Parece que agora o DPME apenas realiza perícias depois da publicação da nomeação no Diário Oficial. Assim, você precisará esperar a nomeação para ir ao DPME fazer o cadastro).

Várias histórias sobre o DPME circulam pela Internet (como aqui, por exemplo) e vou me ater aqui a relatar minha própria experiência (que, dados os possíveis outros desfechos, foi satisfatória), colocando algumas idéias que poderiam tornar o atendimento mais eficiente.

A localização (próximo ao viaduto do Glicério) requer alguma atenção em relação à segurança ("Fica esperto, véio: você não está nos Jardins ou em Moema") e o atendimento exige paciência. Por algum motivo que me foge à compreensão, servidores de TODO O ESTADO tem que se dirigir até lá para perícias (por exemplo, para licenças médicas), muitas vezes mal podendo caminhar, o que é obviamente uma receita para funcionários do DPME sobrecarregados e pessoas descontentes.

Para chegar, recomendo ir de táxi. Ir de metrô requer um espírito mais aventureiro: se você é dessa turma (ou quer economizar no táxi), eu recomendaria descer na estação Liberdade e caminhar pela rua São Paulo (Mapa). Você pode também descer na Estação D. Pedro II e se aventurar pelo viaduto do Glicério (Mapa).

Cheque com a Unidade quais os documentos a serem levados. Tipicamente, você vai levar a requisição que o Departamento forneceu, cópias das publicações no D.O. (por ex., o Edital do Concurso, Convocação, Nomeação, e algo que descreva as atribuições do cargo), CIC/RG (e talvez tenha algo mais...) . Chegando lá, devem te encaminhar para o guichê 12 (Edson, eu acho) que é quem cuida de cadastramentos e exames de ingresso. Ele vai te colocar no sistema (por que os sistemas não são interligados? Isso também me intriga.) e agendar a consulta (tipicamente dalí a uma semana mas isso varia).

No dia da perícia, com os exames EM MÃOS, você pode já subir ao segundo andar (as palavras-chave são "perícia de ingresso". Dizendo isso ao segurança na catraca ele te encaminha ao 2o. andar). Chegue cedo e se prepare para a espera (de novo, leve um livro ou paper!). Lá dentro, você vai estar junto de outras várias pessoas que foram recém-aprovadas em concursos dos mais variados tipos para o funcionalismo estadual (Tribunais, Secretarias, etc.). A sequência é a seguinte: protocolo, consulta com o oftalmo, consulta com o clínico geral e, para mulheres, consulta com o ginecologista (que vai pedir outros exames também mas não estou certo de quais. Papa-Nicolau com certeza).

A propagação de informação lá dentro é feita no gogó mesmo: alguém grita "Fulano de tal, sala X" e, muitas vezes, o barulho das pessoas conversando pode te impedir de ouvir (outra pergunta minha: por que não colocam um sistema de senhas com um painel indicando a sala?). Na dúvida, pergunte! A dica é manter a calma e conversar com os funcionários do DPME com educação. Lembre que você vai passar por isso apenas naquele dia enquanto que eles enfrentam esse caos todo santo dia...

SE (e isso é um grande "se") você for uma pessoal completamente saudável e os testes não mostrarem nada de anormal, é bem provável que o médico te aprove na perícia. Caso contrário, ele pode pedir novos exames, agendar uma perícia nova, etc. Ou seja, mais tempo decorrido.

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5 - Finalmente, a nomeação é publicada no Diário Oficial! Você tem 30 dias (prorrogáveis) para assumir o cargo (é nessa hora que você precisa do parecer da perícia indicando "APTO" em mãos). Para assumir o cargo, você precisa estar presente no Departamento e, talvez, assinar um termo ou algo assim (o chefe do departamento vai comunicar oficialmente ao Diretor que "Fulano de Tal" está aqui!).

(NOTA: Como disse anteriormente, parece que agora o DPME apenas realiza perícias em funcionários já nomeados. De qualquer, modo você precisará do parecer indicando "APTO" para tomar posse).

Muito bem, o próximo passo é a Seção pessoal da sua unidade emitir uma declaração de que "Prof. Fulano de Tal está empregado desde tal data e recebe tanto por mês" para você levar ao Banco do Brasil para abrir uma conta na qual o seu salário será depositado. Note que você vai precisar de um comprovante de endereço em seu nome para abrir a conta (é, eu sei que não é fácil para quem está chegando a SP, mas converse na agência e veja o que você pode conseguir).

Uma vez que você tenha o número da conta, leve novamente na seção pessoal para que isso seja cadastrado no Sistema Marte. Se, por algum motivo, a sua conta não estiver aberta até a data do primeiro pagamento, você ainda recebe o salário mas como ordem de pagto no Banco do Brasil (você pode, inclusive, sacar na boca do caixa!).

A seção pessoal vai te dizer também qual o seu número USP (importantíssimo!). Com isso, você pode pedir um e-mail no domínio usp.br (e, imagino, eles vão te fornecer um e-mail do departamento também). É importante cadastrar esse e-mail no sistema "Marte" (administração de pessoal) para que você tenha acesso ao Sistema "Júpiter" (aulas na Graduação. Adooro esses nomes planetários!).

Ah, sim: e você deve ganhar uma atribuição didática! :)

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6 - Em torno de um mês depois da posse, você deve receber os "cartões" na Seção Pessoal: o vale-alimentação e o grande troféu do processo inteiro: um cartão USP com seu nome e foto, com a inscrição "Professor" (e com direito a acesso ao CEPEUSP!). Provavelmente você também receberá uma simpática caneca plástica do programa "USP recicla" (que eu guardo como uma lembrança inestimável). Bem vindo!