terça-feira, 3 de julho de 2012

Esperando o bóson de Higgs

A blogosfera especializada em Física de altas energias está em ritmo de espera de um anúncio do Large Hadron Collider do CERN para a "descoberta" (ou a "observação") do bóson de Higgs. Isso deve ocorrer nesta quarta-feira, dia 04/07. Por sinal, uma das questões levantadas nos blogs é se o Higgs será oficialmente "descoberto" ou apenas "observado".

A diferença vem da estatística. O patamar para se anunciar uma "descoberta" é alto: é preciso de uma estatística de dados suficiente para que haja uma confiança de "5 sigmas" no resultado. Isso corresponde a uma "certeza" de 99.9999426697% de que o resultado está correto.O patamar para se anunciar a "observação" é bem mais baixo, de "3 sigmas" (ou uma confiança de 99.73%).

De todo modo, seria muito, muito improvável que a ressonância em 125 GeV encontrada nos dados de dois experimentos independentes do LHC (ATLAS e CMS) não seja uma assinatura do bóson de Higgs. Assim, é só uma questão de colocar o espumante no gelo, esperar o anúncio e especular sobre quem ganha o Nobel com a descoberta.

A pergunta é: e depois? Como não sou da área de Física de partículas, tudo o que eu posso dizer vem da minha impressão "de leigo". Se o Higgs for simplesmente aquilo que prevê o modelo padrão de partículas, as coisas ficam um tanto "monótonas" na área. Essencialmente, cruzou-se a "última fronteira", ao custo de 9 bilhões de dólares investidos em um super-acelerador. Agora, o que sobra é "resolver os problemas do final do capítulo". Coisas novas aparecerão sim, mas o ritmo de descobertas não será o mesmo.

Na minha modesta opinião, quem perde é o pessoal que apostou tudo em teorias exóticas que não encontraram suporte nos dados experimentais. Um exemplo: ao que tudo indica, não há evidências de supersimetria (SUSY) nos resultados do LHC, o que sugere que, se essa Física existir, não está ao alcance dos aceleradores atuais. O que também compromete idéias como teoria de cordas. Afinal, Física é uma ciência experimental por excelência: por mais bonita que seja uma teoria científica, ela só é validada pelo experimento. Mesmo especulações teóricas (sempre bem vindas) serão eventualmente julgadas pelo resultado experimental. Como foi o caso do Higgs: previu-se e observou-se. Isso é boa Física.

Update: De fato, hoje (04/07) o CERN anunciou que "o Higgs foi encontrado", com pompa, circunstância e a cobertura midiática merecida (primeira página da Folha online, imagine só!). Como um gráfico vale mais que mil palavras, escolho esse aqui da colaboração CMS:

Vocês notam os pontos pretos/linha vermelha que "salta fora" da faixa verde e amarela e formam um pequeno bico? Pois é, esse é o famoso bóson de Higgs.

Os pontos pretos formam um pico centrado próximo a 125 GeV, valor que corresponde à massa do boson de Higgs (para comparação, a massa do próton é de 0.938 GeV). Cada ponto preto vem de uma enorme estatística de dados. Os pontos pretos ficam bem fora da faixa verde, que representa a confiança de de "2 sigmas" (ou 95.45% de certeza). Na verdade, os dados combinados da ATLAS e do CMS colocam o sinal do Higgs praticamente fora de uma "faixa de 5 sigmas", significando que, se os pontos pretos forem "acasos" (flutuações estatísticas), são eventos mais raros que um em três milhões.

Ao que tudo indica, isso é realmente o bóson escalar predito pelo Modelo Padrão (exceto em uma das taxas de decaimento, que é maior que a prevista).

Update II: Um excelente link (em português) com mais detalhes sobre "o que é o Higgs"  (via Ciências e Adjacências do Roberto Belisário).

E um outro link muito bom (de um estudante aqui do IFUSP):
"Entenda o que Deus tem a ver com o boson de Higgs" .