sábado, 18 de outubro de 2014

E se houvesse eleição para a Bolsa de Produtividade do CNPq?


Assistindo a esses debates, me pergunto: e se a Bolsa de Produtividade em Pesquisa do CNPq fosse obtida através de uma eleição? Com direito a debate ao vivo, retórica de políticos profissionais e ataques bolados por marqueteiros? Acho que seria mais ou menos assim:

Moderador: Bem-vindos ao Debate entre candidatos à Bolsa de Produtividade do CNPq. De um lado, a Candidata A, candidata à renovação de sua Bolsa de nível 1. Temos do outro lado o candidato B, que tenta passar ao nível 1 pela primeira vez. As regras foram acertadas com as assessorias dos candidatos. A Candidata A começa perguntando e teremos réplica e tréplica.

Candidata A: - Candidato, me assusta a sua baixa produtividade ao longo dos últimos 5 anos.  O senhor, candidato, publicou apenas 11 papers, sendo que o senhor não é primeiro autor em nenhum. Como explicar esse fracasso ao povo brasileiro?

Candidato B: - Candidata, a senhora está sendo leviana, distorcendo os fatos. Minhas publicações foram TODAS, repito, TODAS em revistas de impacto maior que 2. Sim, candidata, boas revistas, difíceis de publicar. Não aceito críticas injustas, candidata. E não sou o primeiro autor porque esse é um privilégio para meus alunos e pós-docs, que tomaram a liderança nos papers.

A: - Candidato, o fato é que a sua produção é pequena. Veja você, telespectador, que nosso grupo publicou 23 artigos nesses últimos 5 anos. Sim, mais do que o dobro da produção do candidato. Essa é a marca do nosso compromisso com o avanço da ciência nesse país.

Moderador: Agora o Canditado B faz a sua pergunta.

B: - Candidata, me impressiona a senhora ter a coragem de dizer ao povo brasileiro que avançou a ciência. Seus artigos tem todos mais de 5 autores e vários deles foram publicados em proceedings de conferências! Isso não é avanço, candidata, isso é retrocesso, uma confirmação da política do "quanto mais, melhor" e que baixa o nivel médio das publicações brasileiras. O que a senhora acha disso?

A: - Candidato, minha pesquisa é experimental e envolve bastante gente pela própria natureza do que fazemos. É um esforço colaborativo, fruto de um trabalho em equipe, diferente do individualismo selvagem dos seus trabalhos teóricos. Sim, candidato, faço questão que meus alunos viajem para conferências importantes e apresentem seus trabalhos e, por que não?, publiquem em proceedings. Nada mais justo pelo enorme trabalho que eles tiveram.

Lembro ainda ao candidato que esses meus artigos geraram mais citações que os seus artigos, candidato. Nem sempre "boas revistas" geram impacto!

B: - Candidata, publicar em proceedings serve apenas para atender aos interesses das grandes editoras, como Elsevier e Springer, que apoiam a sua campanha, candidata. E vamos falar de citações: meus artigos têm média de 10 citações por artigo, quase o dobro da média dos seus artigos. Números absolutos não contam toda a história, candidata, e o eleitor sabe disso. Sabe diferenciar um projeto de qualidade de outro, que preza apenas pela quantidade. Nosso projeto é o melhor, que tem maior potencial para gerar citações, que são o futuro do país.

Moderador: Candidata A, a sua pergunta.

A: - Candidato, os números não mentem. O fato é que nossos artigos tiveram 120 citações nos últimos 5 anos e os seus tiveram apenas 110. Simples assim, candidato. E nossas citações beneficiaram a carreira de vários cientistas iniciantes, que podem agora lutar por melhores condições no mercado de trabalho. O que o senhor acha da situação do emprego de nossos jovens doutores?

B: - A candidata admite que a sua política assistencialista de publicar artigos com vários autores para maximizar o efeito de citações. Por favor, candidata, seja sincera com o povo brasileiro. Nos diga que essa sua política, na verdade, não dá maturidade aos nossos jovens pesquisadores, não os ensina a pescar, candidata! Que tipo de profissionais estamos formando?

A: - Candidato, o senhor está mal-informado. No que se refere à formação, nossos jovens doutores estão sendo bem formados, com experiência internacional e publicando artigos. Os números não mentem: o número de artigos publicados e citações vem crescendo a cada ano e isso tem se refletido no benefício à ciência brasileira, à carreira dos nossos alunos.

Moderador: A última pergunta do bloco será feita pelo Candidato B.

B: - Candidata, me manterei nesse mesmo assunto. A senhora diz no seu curriculo Lattes que formou 5 alunos de Mestrado e 2 alunos de Doutorado nesses últimos 5 anos. Me pergunto, candidata, como a senhora teve tempo para isso? Em nosso grupo, a formação de alunos é algo que levamos muito a sério, e damos apoio individualizado a cada aluno e pós-doc, com ênfase nos cursos básicos e na formação em técnicas teóricas e computacionais. Isso tudo leva tempo, candidata! O povo brasileiro quer saber quem, de fato, está por trás dessa "formação em série"?

A: - Candidato, a resposta é muito simples: o trabalho incansável de todo o nosso grupo. Professores jovens, técnicos de laboratório, pós-docs, todos põem a mão na massa e trabalham no alinhamento dos lasers, nas bombas de vácuo, na briga pelo hélio líquido. Enfim, estamos trabalhando, candidato, e o fruto deste trabalho é a formação desses jovens talentos, sob minha liderança. De novo, os números não mentem, candidato. Na verdade, me espanta o baixo número de alunos formados no seu grupo.

B: - De novo, candidata, a senhora desconhece nosso trabalho. Nosso aluno de doutorado acabou de defender a tese e vai fazer pós-doc em Stanford por conta da boa formação que ele teve aqui. Aqui prezamos pela qualidade na formação dos nossos alunos, candidata! Nossos 2 alunos de mestrado já trabalham com teoria quântica de campos e vão cumprir excelentes projetos de Doutorado com sanduíche no exterior. São poucos, mas teremos bastante impacto.

Moderador: Com isso concluímos este bloco... Perdão? A Candidata A pede direito de reposta para esclarecer que um ex-aluno seu está em Los Alamos... Produção? Pedido negado, candidata.

Voltamos a seguir, com as considerações finais dos candidatos.