quinta-feira, 15 de maio de 2014

A crise da USP em números.

A crise da USP chegou a um ponto em que está afetando suas irmãs paulistas. A proposta de 0% de aumento salarial feita pelo CRUESP (conselho de reitores das três universidades paulistas) parece inaugurar uma nova era de contenção de gastos e de austeridade nas universidades estaduais de São Paulo, com as previsíveis consequências negativas para toda a sociedade paulista (e brasileira, como um todo).

Em uma carta recente à comunidade, o novo Reitor da USP argumenta que, embora vários fatores contribuam (gastos com obras grandes no campus, por exemplo), o cerne do problema está no tamanho da folha de pagamento. Os dados fornecidos mostram que o orçamento da USP está 100% comprometido com a folha. Todo o resto (custeio, melhorias no campus, investimentos em pesquisa, etc.) tem vindo de uma reserva que a universidade construiu ao longo dos anos. Em outras palavras: estamos torrando nossa poupança a uma taxa de R$ 1 bilhão por ano para pagar salários e manter a Universiade funcionando.

Para ter uma idéia melhor dos números por trás da crise, fui atrás dos dados do CRUESP, disponíveis aqui. O gráfico abaixo mostra o peso percentual da folha de pagamento no orçamento total das três universidades paulistas desde 2009.

Fonte: dados do CRUESP (link)

Como mencionado na carta do Reitor, a USP passou de uma situação "confortável" de 80% de compromentimento da folha em 2009 aos 100% atuais. Já o aumento na Unesp e Unicamp foi bem menos acentuado, chegando à casa dos 90%.

O que a carta não menciona é que o "salto" do peso da folha foi bem maior na USP do que na Unicamp ou na Unesp. Em apenas um ano (2011 a 2012), o comprometimento da folha da USP saltou 14 pontos percentuais. Isso é muito maior que os aumentos na Unesp e na Unicamp no mesmo período, de 4 e 5 pontos respectivamente.

E o que ocorreu na USP foi um aumento significativo da folha em termos brutos entre 2011 e 2012. O gráfico abaixo mostra o valor do repasse do ICMS (9,57% do total arrecadado, por Lei) para as universidades. Esse repasse tem aumentado ano a ano. O que ocorre é que o valor da folha aumenta a uma taxa (ou "derivada") ainda maior, particularmente no caso da USP entre 2011 e 2012. Novamente, as taxas são menores no caso de Unesp e Unicamp (ainda que um pouco acima das taxas de aumento dos repasses).

Fonte: dados do CRUESP (link)

Um leitor mais atento pode fazer o seguinte raciocínio: "Bom, é natural que o ICMS tenha um aumento por conta da inflação a cada ano. Mas pode ser que os repasses de ICMS tenham tido aumentos abaixo da inflação enquanto a folha foi reajustada pela inflação, de modo que o peso relativo da folha ficou maior por uma simples reposição da inflação nos salários."

Para verificar isso, fiz um ajuste nos dados considerando o IPCA de cada ano e a figura não muda muito. Tanto o repasse do ICMS quanto o aumento da folha ficaram significantemente acima do IPCA (caso alguém queira fazer a conta com outro índice, fico curioso para saber o resultado).


E ficam as perguntas: o que ocorreu na USP entre 2011 e 2012 para justificar tamanho aumento na folha? E mais: como algo assim pode ocorrer sem que a administração tenha tomado providências? Não tenho respostas concretas para essas perguntas (embora se especule bastante nos corredores). De todo modo, fica óbvio que houve uma séria falha de gestão na última administração, que tem recebido várias críticas (justas) por não ter alertado a comunidade da gravidade da situação.

Por outro lado, me parece igualmente óbvio que uma boa universidade se faz, acima de tudo, com bons salários e pessoal técnico qualificado. Queremos atrair excelência no nosso corpo docente e técnico-administrativo. Assim, a proposta de 0% de aumento não me parece uma medida inteligente, uma vez que não mexe no cerne da questão: essencialmente, um problema sério na gestão da USP. Além disso, faz com que nossos colegas da Unesp e da Unicamp tenham que pagar por erros da antiga administração da USP, o que me parece injusto.