domingo, 23 de junho de 2013

Ken Wilson, 1936-2013


Recebemos nessa semana a triste notícia da morte de Ken Wilson. Eu considero Wilson uma das grandes mentes da Física do século XX. Na contramão da tendência (cada vez maior) de especialização científica em sub-áreas, Wilson deu contribuições relevantes em áreas bastante diferentes da Física como Altas Energias e Matéria Condensada. Seu trabalho teórico na aplicação de técnicas de Grupo de Renormalização em fenômenos críticos  levou ao merecido prêmio Nobel de 1982 (ganhou sozinho).

Das contribuições de Wilson, destaco a invenção de métodos computacionais para resolver problemas teóricos difíceis. Na década de 70, quando os computadores ainda eram bastante incipientes, Wilson desenvolveu o método do Grupo de Renormalização Numérico (NRG, em inglês). O resultado foi importante pois, essencialmente, resolveu o chamado "problema de Kondo" em Matéria Condensada: as divegências logarítmicas que apareciam no trabalho pioneiro de Jun Kondo em 1964 no cálculo da contribuição para a resistividade de impurezas magnéticas em metais.

Na mesma época, Wilson trabalhou no desenvolvimento do método de QCD na rede, ainda hoje o único método não pertubativo em cromodinâmica quântica. Essa técnica ainda é bastante usada em problemas relevantes como o entendimento do plasma de quark-glúon (embora a aplicação de técnicas basedas na dualidade AdS/CFT tenha permitido avanços no regime de acoplamento forte desse problema).

Paul Ginsparg, fundador do arXiv e ex-aluno de Wilson disse que "Wilson estava à frente do seu tempo" em sua utilização de computação científica. Concordo plenamente. Wilson antecipou, por exemplo, o uso de ferramentas como protocolos para cálculos paralelos em redes, largamente utilizados hoje em dia. Como disse Peter Woit no blog Not Even Wrong, "Wilson may be no longer with us, but his ideas certainly are".

domingo, 2 de junho de 2013

Diário de Viagem: BWSP e ENFMC.

O mês de maio foi bastante agitado em termos de viagens. Duas das mais importantes conferências em Matéria Condensada no Brasil foram realizadas uma após a outra, ambas no estado de São Paulo e com palestrantes de primeira linha.

A primeira  foi o Brazilian Workshop of Semiconductor Phyiscs, em Itirapina (região de São Carlos e Brotas). Destaque para os trabalhos em isolantes topológicos. Vieram pesquisadores internacionais de ponta nessa área como o "papa do efeito Hall de spin quântico" Laurens Molenkamp (de Würzburg, que, aliás, gosta muito de vir ao Brasil), além de Michael Furher (antes em Maryland, agora na Australia), Nitin Samarth (cujos grupos têm obtido resultados experimentais bastante relevantes em transporte em isolantes topológicos 3D) e Gennady Gusev, colega do IF-USP, um dos poucos físicos experimentais brasileiros trabalhando na área e que tem produzido excelentes trabalhos em isolantes topológicos 2D.

Eu dei um seminário sobre efeito Kondo em grafeno desordenado (colaboração com o Vladimir Miranda e o Caio Lewenkopf da UFF). Por sinal, esse trabalho foi motivado por um experimento do próprio Michael Furher, que mostra assinaturas típicas de efeito Kondo em grafeno irradiado. Nessa mesma linha, me chamou a atenção o seminário do Jaroslav Fabian (Regensburg), que discutiu contribuições para o tempo de relaxação de spin em grafeno.

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Na semana seguinte, tivemos o tradicional Encontro Nacional de Física da Matéria Condensada, já na sua 36a edição. Como tem ocorrido nos últimos anos, foi realizado em Águas de Lindoia, uma agradável cidade  localizada em uma ramificação da Serra da Mantiqueira, proxima à divisa entre São Paulo e Minas Gerais.

Foram várias palestras excelentes. Na área de supercondutividade, me chamou a atenção o seminário do Rafael Fernandes, jovem professor brasileiro na Universidade de Minnesota. Ele falou sobre seu trabalhos recentes em supercondutores à base de ferro, um assunto que meu antigo grupo tem pesquisado bastante. Também gostei do seminário do Stefan Blügel (Julich), com quem tive várias conversas em torno de como conciliar Teoria do Funcional Densidade (DFT) e Efeito Kondo (será possível??).

Vale destacar ainda as presenças de Dan Shechtman, ganhador do prêmio Nobel de Química em 2011 pelo seu trabalho em quasi-cristais (uma história bonita de persistência mesmo enfrentando fortes críticas) e, novamente, de Laurens Molenkamp (que participou das duas conferências e ficou quase duas semanas no Brasil).

Os lugares:
A grande atração da BWSP ficou por conta do rafting em Brotas/SP. Imagine 60 físicos em botes descendo corredeiras. Esse é o resultado:



Já Águas de Lindóia é bastante agradável e tive a oportunidade de passear pelo centro. Recomendo o parque no centro da cidade, ótimo para corridas (ou caminhadas) matinais. Uma visita ao Cruzeiro ou uma esticada até cidades próximas como Monte Sião também valem a pena, segundo me disseram.

quinta-feira, 2 de maio de 2013

A Boy And His Atom

O vídeo abaixo é uma impressionante mistura de ciência e arte. Foi produzido pelo grupo do Andreas Heinrich (IBM Almaden) um dos maiores especialistas em microscopia de tunelamento eletrônica do mundo.




O microscópio de tunelamento eletrônico (STM) é uma ferramenta bastante versátil, que consegue obter imagens resolução atômica de objetos nanoscópicos (como moléculas ou mesmo átomos individuais adsorvidos em superfícies) através de uma engenhosa utilização do efeito tunel, uma dos fenômenos previstos pela Mecânica Quântica.

Mas o STM serve não apenas para fazer imagens de estruturas nanoscópicas: é possível movimentar os átomos na superfície, formando figuras geometricas, ou mesmo construindo nanoestruturas, como mostra esse outro vídeo do grupo de Saw Hla na Ohio University (com quem tive a oportunidade de colaborar).

O grupo da IBM foi um passo além: eles fizeram um filme inteiro, imagem a imagem, movimentando moléculas de monóxido de carbono com a ponta do STM em uma superfície metálica. Abaixo, o "Making Of" do filme, ao melhor estilo Hollywood.


domingo, 24 de fevereiro de 2013

Mais é Diferente

Na semana passada, participei de um simpósio no Curso de Verão  do IF-USP junto com o prof. Renato Jardim. O tema era o conceito de "Mais é Diferente" em Física (em particular, em Física do Estado Sólido).

Phil Anderson
"More is Different" é o título de um influente artigo publicado por Phil Anderson na revista Science em 1972 (Anderson viria a ganhar o prêmio Nobel em 1977). Essencialmente, é uma crítica ao conceito de reducionismo em Física, a idéia de que, sabendo-se como funcionam partes elementares da matéria, pode-se inferir "com um pouco de imaginação" o comportamento coletivo de sistemas de muitas partículas.

A tese do reducionismo é bem ilustrada pelo comentário de Carl Anderson que, após descobrir o pósitron em 1932, afirmou que "o resto é química". A premissa é que se você conhece extremamente bem quais as propriedades de todas as partículas elementares (quarks, elétrons, pósitrons, etc.), a extrapolação para entender o comportamento de núcleos, átomos, moléculas, células, planetas e galáxias é uma simples questão computacional.

Phil Anderson argumenta que essa tese é equivocada em um nível fundamental. Diz, no texto da Science, que "o comportamento de grandes e complexos agregados de partículas elementares não pode ser entendido em termos de uma simples extrapolação das propriedades de algumas poucas partículas." Por conta disso, "a cada nível de complexidade, propriedades completamente novas aparecem e o entendimento desses novos comportamentos requer pesquisa que considero de natureza tão fundamental quanto qualquer outra." Em outras palavras, quando temos sistemas de muitas partículas, a complexidade da interação entre elas leva a comportamentos novos (e leis novas) que não podem ser preditas com base apenas no comportamento de uma partícula e do conhecimento das interações fundamentais.

Uma analogia é a seguinte: imagine que você saiba tudo (mas tudo mesmo!) sobre células (todas as reações químicas, funções, como uma célula interage com outras, etc.). Esse conhecimento não pode ser extrapolado para prever, por exemplo, comportamentos sociais (relações humanas, eventos históricos, ocupação geográfica do espaço, etc.) embora, fundamentalmente, pessoas sejam feitas de células.

Por quê? Porque à medida que células interagem, formando tecidos, cérebros e pessoas; e pessoas interagem formado comunidades e sociedades, novas "leis fundamentais" emergem. E são essas leis (e não as reações químicas nas células) que, em última instância, determinam os comportamento coletivo. Isso é o que chamamos em Física de fenômenos emergentes. Outro exemplo mais atual de fenômenos emergentes são as "redes sociais": mesmo que você saiba tudo sobre células e transistores e fibras ópticas, você não conseguiria prever o sucesso do Facebook ou o declínio do Orkut no Brasil.

Em suma, o que Anderson quer dizer é que Química não é apenas Física aplicada, como Biologia não é Química aplicada como Psicologia ou Antropologia não são, simplesmente, Biologia aplicada. E que as Leis que regem os fenômenos em cada um desses níveis de complexidade são igualmente fundamentais.

Tudo o que você queria saber sobre análise de dados


Paper interessante no arXiv: "Tudo o que você queria saber sobre análise de dados mas tinha medo de perguntar" (via Doug Natelson).

O texto é voltado para Físicos (em especial os que trabalham com simulações de Monte Carlo) mas é acessível para engenheiros, matemáticos e cientistas em geral.