domingo, 5 de junho de 2016

O quão grave é a crise financeira da USP?

Imagine que você seja o sìndico de um prėdio que arrecada R$ 100 mil por mês em condomínios. O problema é que você tem que pagar R$ 104 mil em salários ao zelador, porteiros, faxineiros, etc. Todos esses funcionários tem estabilidade (não podem ser demitidos) e os moradores não querem nem ouvir falar em aumento no valor do condomínio. A reserva de caixa que você usa para pagar as contas e manter os elevadores funcionando acaba em um ano. O que você faz?

Bem-vindo à crise da USP.

Segundo dados da Coordenadoria de Administração Geral (CODAGE), entre janeiro a julho de 2016 a Universidade de São Paulo recebeu uma média mensal de R$ 374,6 milhões em repasses relativos à quota-parte do ICMS. Ocorre que, no mesmo período, a USP gastou uma média de R$ 392,4 milhões em salários (vide tabela abaixo). Ou seja, mais de 104% de compromentimento das receitas com folha de pagamento. Esse número só tende a piorar, dado que a arrecadação do ICMS está em queda.


De onde vem, então, o dinheiro para cobrir essa diferença e todo o resto do custeio (luz, água, manutenção, investimentos, etc.)? Tem vindo de uma reserva financeira que a USP construiu ao longo dos anos. Segundo um parecer da Comissão de Orçamento e Patrimônio (COP) do Conselho Universitário da USP, esta reserva estava em R$1.382 milhões no final de abril, com previsão de ficar em R$592 milhões ao final de 2016. 

Com base nesses dados e fazendo uma conta simples (a famosa "regra de 3" que os vestibulandos adoram), chegamos à conclusão que as reservas estão diminuindo a uma taxa de aproximadamente R$ 98 milhões por mês (obviamente isso varia mês-a-mês mas é uma estimativa razoável).  Em outras palavras, se nada mudar, estas reservas terminarão em junho do ano que vem. 

Mesmo com um reajuste pequeno nos salários (de 3%, beeem abaixo da inflação acumulada), essa taxa subiria para R$ 109 milhões por mês, segundo a COP. Isso significa que o dinheiro acaba mais cedo, possivelmente no final de abril/início de maio de 2017 (estimativa minha).

Depois disso, nada. Zero. zilch, nothing.

Quais as alternativas e cenários? A reitoria não tem dado muitas, além do discurso de "conter gastos". Parece até uma estratégia deliberada até que a situação chegue a níveis insuportáveis, inclusive com atraso no pagamento de salários e do 13o. Isto é o que está nas entrelinhas de uma mensagem do Gabinete do Reitor em 11 de maio último sobre a declaração de greve dos funcionários:

Esse tipo de provocação não faz parte das relações modernas entre servidores e a administração da instituição, e adquire ainda mais gravidade nesse momento de grandes incertezas políticas e econômicas, com desemprego crescente, perda de valor de salários, redução brutal de receitas públicas e até atrasos e suspensão de pagamentos de salários por entes públicos.

 A solução proposta pelos sindicatos (Sintusp e Adusp) é simples: deem-nos mais dinheiro. Isso é a base da chamada "luta" contra o aumento de 3%   e por mais repasses de recursos  Acho improvável um aumento nos repasses do governo estadual na atual conjuntura. Tal demanda é é inócua frente a uma pressão de boa parte da sociedade (e do próprio governo do PSDB) contrária ao aumento de gastos públicos. 

O que me preocupa de verdade são que greves na USP acabam sendo um tiro no nosso próprio pé na medida que provocam reações como as ilustradas abaixo. São comentários de uma noticia recente da Folha sobre uma passeata de funcionários da USP em greve:



Embora exista o "troll bias" (um viés de crítica rançosa e sem fundamentos típica da Internet) nesses comentários, meu sentimento é que este tipo de pensamento está cada vez mais comum. Estamos perdendo a batalha que realmente importa: a de mostrar à sociedade paulista e brasileira o que significa ter uma univesidade de pesquisa de ponta em um país como o Brasil. Mostrar que, na USP, a grande maioria dos docentes e servidores trabalha, e muito (hoje, Domingo, estou rodando simulações computacionais e trabalhando em outro artigo, além de corrigir projetos de alunos e escrever este post).

Sem o apoio da sociedade, a "luta" estará, de fato, perdida.