sexta-feira, 5 de agosto de 2011

O Vietnã dos Físicos Teóricos

Em um post recente, mencionei que meu meu antigo supervisor constumava dizer que o tópico de semicondutores de alta temperatura crítica (ou "high-Tc" para os íntimos) foi o "Vietnã dos Físicos Teóricos". Essa analogia é muito boa: como a guerra na Indochina dos anos 60, esse tópico atraiu, nos anos 80 e 90, uma enorme leva de Físicos jovens e idealistas em busca de um mundo melhor para uma área de pesquisa que se revelou pantanosa, cheia de intrigas e de "fogo amigo". Muitos acabaram "perecendo" pelo caminho (não literalmente, claro: a maioria mudou de área e alguns até mesmo abandonaram a Física). Para um relato de alguém que viveu isso na pele, recomendo o post de Massimo Boninsegni sobre o assunto.

Os motivos disso são vários. A Física por trás dos high-Tcs é complicada e os materiais em si (cerâmicas à base de cobre ou "cupratos") são relativamente dificeis de serem produzidos e estudados (amostras de alta qualidade ainda são "valiosíssimas" cientificamente falando: quem tem, não empresta). Ainda por cima, brigas de "cachorro grande" tornaram a área um conflito de egos que contaminou a discussão científica.

Um exemplo ilustrativo desse clima (apontado por Massimo) é uma discussão na seção de cartas da revista de divulgação Physics Today. Os protagonistas são cientistas de renome: de um lado, Phil Anderson, um dos maiores físicos teóricos do séc. XX (e XXI) e prêmio Nobel em 1977. De outro, Doug Scalapino e colaboradores, então na Universidade de Illinois em Urbana-Champaign, um dos melhores centros de Física da matéria condensada dos Estados Unidos. Em discussão: qual a teoria que melhor descreveria o fenômeno (Anderson acabou admitindo que estava errado mas o estrago já estava feito).

Esse tipo de disputa acabou tornando o ambiente acadêmico da área bastante hostil, parecendo um Vietnã do tempo da ofensiva Tet. Era um clima de você estava "conosco ou contra nós": se um jovem pós-doc escrevesse um artigo sobre o assunto e não tomasse partido, poderia ter seu trabalho torpedeado pelos peixes grandes e ver-se com perspectivas de emprego ameaçadas.

O pano de fundo para tudo isso é que, depois de 25 anos e uma geração inteira de Físicos trabalhando sobre o assunto, uma explicação teórica definitiva para o fenômeno ainda não foi encontrada. Existem várias peças do quebra-cabeças bem entendidas: os "materiais-base" não são metais (como no caso de supercondutores BCS) mas sim isolantes de Mott, onde efeitos de interação elétron-elétron e spin eletrônico são importantes. Além disso, há fortes evidências que a supercondutividade se dá em duas dimensões (em "planos" no interior do material) e a produção de amostras com alto grau de pureza permitiu caracterizar em detalhe o diagrama de fase desses materiais através de diversas técnicas.

Uma outra peça recente que pode ser adicionada ao quebra-cabeças é a recente descoberta de supercondutores à base de ferro (os "pnictídeos"), onde efeitos de spin e magnetismo são ainda mais relevantes. A expectatíva é que essa nova classe de materiais possa dar pistas sobre o mecanismo responsável pela supercondutividade nas cerâmicas à base de cobre, o que torna essa uma efervecente área de pesquisa em Física de materiais.

Ou seja, ainda há muita gente entrando nesse campo. E há trabalho para outros 25 anos de pesquisa.

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